Chegou email do Nigel! no fim do mundo.
Bom dia! Tudo bem com você? Espero que esteja.
Como é desagradável o fim do mundo, né? O sol vermelho, o céu cinza, uma dor de cabeça irritante que aparece pra piorar ainda mais a coisa toda.
Tem aquela alegoria da lagosta, que se é colocada na água fervendo ela não gosta muito, mas, se for colocada na água morna e aquecida gradualmente, ela acaba morrendo bem de boa.
Tenho certeza que, sabendo escrever, as lagostas mandariam uma newsletter reclamando da situação.
O clima é tão desagradável que eu lembrei de um conta que escrevi há algum tempo, mas acho que não cheguei a enviar na newsletter. Pensei em juntar com outros na mesma pegada e lançar um novo livro, mas, como não fiz isso, vou por ele aqui pra vocês. Se algum dia eu lançar o livro, finjam que não leram nada.
Demônio da lotérica
— Nossa, se eu ganhasse na loteria, eu comeria isso todos os dias da minha vida — disse Dilson, enquanto mordia um cachorro-quente completo, daqueles com ovo de codorna, batata palha e queijo ralado.
O que Dilson não sabia — além de como comer um cachorro quente sem deixar o molho pingar na camisa — é que, ao dizer aquela frase estava invocando um dos mais poderosos demônios dos tempos atuais. Seu nome verdadeiro é impronunciável, inescrevível e, até por isso, desconhecido. Fica sendo chamado apenas de: o demônio da lotérica.
A maioria das pessoas acredita que o nome dos vencedores da loteria são mantidos em sigilo por uma questão de segurança. Como se bandidos não soubessem onde moram os milionários para assaltá-los. Bastava seguir uma BMW pelas ruas, ficar de tocaia na frente de um St. Marche, ou simplesmente ver quem busca mais de uma criança em escola bilíngue. Os nomes dos vencedores da loteria são mantidos em sigilo porque, se todos soubessem o que acontece com essas pessoas, ninguém nunca mais jogaria na loteria.
Cruel, o demônio da lotérica se alimenta justamente do sentimento de arrependimento dos novos milionários. Que delícia era alguém que se apresentava, voluntariamente, pra sofrer em troca de um pouco de sorte. Como uma oferta de imóvel em um site, uma promessa feita ao vento obriga aquele que a fez. E o problema de palavras jogadas ao vento é que você nunca sabe quem poder estar ouvindo, ou quem pode se interessar pela sua proposta.
As palavras de Dilson selaram um contrato sem que ele soubesse. Ele acompanhou o sorteio e comemorou sua vitória sem saber que as bolas que eram sorteadas já haviam sido escolhidas. Dilson ficou eufórico. Ele queria pular, queria gritar, mas ficou em silêncio, com medo que os vizinhos descobrissem que ele agora era um milionário e viessem tirar dele o bilhete. Já não sabia mais se o coração estava acelerado de felicidade ou de ansiedade.
Dilson armou um esquema, reservou um hotel com seu cartão, separou uma pequeníssima mala para não chamar atenção. Foi vestindo sua roupa mais neutra para o banco e conseguiu transferir seu prêmio para uma conta. Até o último segundo achou que ia ser roubado, depois achou que seria sequestrado. Chegou no hotel tão nervoso que até vomitou. Naquele dia não comeu nada.
No dia seguinte ele acordou com várias ligações no seu celular. Respondeu que a esposa logo saberia onde encontrar com ele, disse ao chefe que estava com problemas de saúde e que precisaria tirar alguns dias — sem nenhuma intenção de aparecer no trabalho novamente — e cancelou o choppinho com os amigos sem dar muitas explicações.
Foi aí que Dilson percebeu que estava com fome.
Vinte e quatro horas sem comer abriram um buraco na sua barriga, um buraco que só poderia ser saciado com… Cachorros-quentes. Quem come cachorro-quente de manhã? Por mais que ele achasse aquilo bizarro, só conseguia pensar em cachorro-quente. Mesmo olhando o cardápio do hotel, não conseguia mudar da página do cachorro-quente. Não conseguia sequer pronunciar o nome das outras comidas.
Ninguém nunca o sequestrou ou roubou seu dinheiro. Dilson chegou a aproveitar a sua fortuna por um tempo, mas então a esposa o deixou. Ela estava cansada de tanta salsicha e não entendia como o homem que ela havia amado tinha se transformado naquele idiota. Nem no aniversário dela ele foi capaz de mudar o cardápio.
— Você não pode fazer isso por mim? É o meu aniversário. Me leva pra jantar em algum lugar legal — ela pediu, mas Dilson só conseguia dirigir até a mesma van que vendia cachorro-quente perto da saída de uma universidade.
Para sua sorte o cachorro-quente completo era um alimento rico em nutrientes. Tinha tomate, cebola, azeitona, milho e ervilha. Tinha até um ovo de codorna e isso adiou e muito o surgimento dos primeiros problemas de saúde. Mas aos poucos o sódio foi se acumulando e Dilson perdeu o controle da sua pressão arterial. Seus pés ficaram inchados e ele precisou comprar outra chuteira para participar do futebolzinho dos amigos. Foi em uma dessas peladas que Dilson teve seu primeiro infarto.
Parte dos seus milhões, Dilson gastou em nutricionistas, terapeutas, acupuntura e o que mais prometesse regular sua alimentação novamente, mas não adiantava. Quando Dilson sentia fome, era como se ele entrasse em um estado de sonambulismo — como ele mesmo tentava explicar sem sucesso para seus médicos. Dilson não tinha exata consciência do que estava acontecendo, só que sempre terminava todas as refeições com um cachorro-quente na barriga.
Indicaram psicólogos, psiquiatras, curandeiros e até um ou dois charlatões. Curiosamente um dos charlatões foi o que chegou mais perto da real causa do tal transtorno alimentar, mas confundiu os demônios e acabou realizando um ritual errado. Pena.
Nove anos depois de ganhar na loteria, Dilson teve um AVC.
Não morreu, mas teve sequelas graves. A principal foi uma confusão mental severa que fez com que, entre outras coisas, achasse que tinha alguém rindo dele enquanto implorava aos enfermeiros por um cachorro-quente.
Sem conseguir se alimentar de mais nada, a equipe médica foi obrigada a passar Dilson para a alimentação parenteral.
Na sua última noite vivo, Dilson recebeu a visita do demônio que veio se alimentar.
No último segundo antes do AVC fatal que levaria Dilson, ele e o demônio da lotérica tiveram o seguinte diálogo:
— Você se arrepende?
Antes de responder, Dilson lembrou de toda a sua vida, todos os cachorros-quentes, tudo.
— Só da maionese. Maionese no cachorro-quente não combina.
O demônio ficou confuso. Se sentiu roubado.
Dilson morreu e em sua lápide foi escrito: aqui jaz Dilson, um homem que amava cachorros-quentes mais do que tudo.
Era verdade.
Se você gostou desse conto, eu tenho um livro de contos. Não tem nada a ver com esse daí. Nenhum demônio, só um fantasma e a própria morte. Mas, se você gosta de qualquer coisa que eu faço ou já fiz, provavelmente você vai gostar desse livro. Se chama Entrevista com a Pedra e outros contos. Atualmente só existe a versão ebook dele, mas não é muito diferente de ler esse email aqui.
Nossa, são tantas redes sociais agora que dá até preguiça linkar todas, mas vamos lá. A única certeza é que eu não vou mais usar o twitter mesmo que volte. Ele nem se chama mais twitter. Não tem porque se agarrar ao passado.
Estou no Bluesky como @nigelgoodman.com.br e tenho gostado mais que as outras redes. Tenho ameaçado falar mais sobre escrita lá.
No Threads eu estou como @nigel.goodman que é o mesmo nome de usuário do Instagram.
No tiktok eu sou alguma coisa, mas não tenho postado nada, então se algum dia eu começar a postar eu entro lá pra ver qual minha arroba.
Aproveitei pra criar perfis separados pra ficar postando as fotos que eu gosto de tirar por hobbie. Uma amiga já tinha me falado pra fazer isso, mas só no dia que eu fui pra uma reunião e comentaram que tentaram me procurar nas redes sociais e só apareceram umas fotos nada a ver. Entendi como um sinal. No Instagram e no Threads é @nglgdmn.jpg e no tiktok também.
Se me seguir, e quiser, comenta que leu a newsletter. Eu fico feliz.
Se vocês estiver procurando um serviço de email, eu uso o fastmail. Inclusive, se você clicar pra responder essa mensagem no seu email, é pra lá que a resposta vai. Desde que eu comecei a usar emails com o meu domínio e criar usuários diferentes para emails pessoais, trabalho, cadastros etc, minha vida ficou muito mais fácil e meu email muito mais organizado. É um gasto que eu acho que vale a pena e, se você achar também, clicando nesse link, você ganha 10% de desconto no seu primerio ano e eu ganho pela indicação.
Um abraço,
Nigel