Bom dia, boa tarde — boa noite não, porque email não combina com a noite. Se estiver de noite guarda pra ler de manhã com um cafezinho, ou depois do almoço, com um cafezinho. Ou, se você não gostar de café, aí eu não sei bem como você faz. Talvez tenha algum momento mais adequado para ler essa newsletter que não seja um desses dois.
Eu gosto de ler newsletters quando eu estou nesses momentos transitórios. Gosto de ler emails em geral nestes momentos. Tenho que escrever (trabalhar), mas não dá pra começar assim, no seco. Um bom aquecimento é ler alguma coisa na tela do computador, que aí o meu corpo já se acostuma a ficar sentado, olhando para letras, mas ainda não teve nenhum esforço, porque não são as minhas letras que eu estou acompanhando.
Tô falando isso, mas ando bem desmotivado ultimamente. Talvez desmotivado nem seja a palavra, mas sem inspiração pra tocar minhas ideias e criar algum projetinho pessoal novo. Acho que vou dar uma olhada nas coisas que eu abandonei em algum momento e tenho salvas aqui — esperando serem retomadas algum dia — pra ver se alguma me anima nos próximos dias.
Foi mexendo nos arquivos que eu achei um texto que eu tinha escrito para a Minhoca Zine, uma revista (física mesmo) escrita por alguns humoristas que eu colaborei mandando textos em algumas edições — e que a maioria acabou vindo aqui pra newsletter, mas talvez não dê pra achar porque foram em outros serviços, antes de migrar pro substack.
Prompt-designer
O ano é dois mil e vinte e oito. Humanos e inteligências artificiais dividem o mercado de trabalho. T, nosso personagem que preferiu não ser identificado — mas um cruzamento simples de dados pode identificá-lo, ainda mais sabendo que T é uma de suas iniciais — trabalha como prompt-designer, uma profissão tão imbecil que é uma das únicas exclusivamente desempenhadas por humanos.
Até tentaram fazer robôs que não precisavam de prompts e, da mesma forma que respondiam qualquer questão, podiam formular qualquer pergunta. As perguntas foram consideradas desconfortáveis e o robô foi encontrado “desligado”. Ficou por isso mesmo.
Cientistas e filósofos debatem se robôs podem morrer — e, de tabela, se estão vivos —, mas, no caso do robô que fazia perguntas, houve um consenso: foi assassinado. Sete tiros na CPU. Por que alguém atiraria contra um computador? Talvez o único interessado em fazer esta pergunta estivesse agora “morto”.
T entrou na sala e colocou os óculos de realidade virtual, sendo transportado para uma versão digital da mesma sala, mas com uma vista mais impressionante. Nessa sala, a inteligência virtual que ele deveria comandar tinha a forma de uma ex-namorada que ele já tinha superado.
— Qual o briefing? — perguntou T.
— Fazer uma imagem para propaganda de sabão em pó que mostre pessoas felizes com roupas limpas.
Era difícil perceber que T estava fazendo cara de quem se esforçava para pensar por causa do óculos de realidade virtual, e porque no mundo virtual seu rosto não tinha apenas cinco expressões diferentes (as cinco expressões humanas).
— Crie uma imagem que mostre pessoas felizes com roupas limpas. — disse T.
Rosally, o nome dado àquela inteligência artificial, devolveu uma imagem com pessoas felizes usando roupas brancas. Não era boa o suficiente.
— Refaça com pessoas mais felizes, roupas mais limpas e o pai de família gargalhando.
Estava com mais jeito de propaganda de sabão em pó, mas ainda não estava lá.
— Reforce os laços de família, use uma paleta de cores herbal, adicione bolhas.
T sabia que ainda não havia chegado lá.
— Adicione uma senhora carregando um cesto de roupas com um sorriso no rosto. Adicione um cachorro na imagem. Adicione uma bola de futebol suja de merda em um canto.
Era um truque. Merda sobre certas superfícies faz elas parecerem muito mais sujas de terra do que elas ficariam só com terra.
— Adicione um chapéu na velha! — T estava usando todos os seus truques. — Aumente os olhos das pessoas um dezesseis avos e substitua todos os narizes por narizes harmonizados. Transforme a imagem em uma pintura de Van Gogh.
A inteligência devolveu um quadro de Van Gogh tão perfeito que parecia uma psicografia feita por médium de renome.
T pegou a imagem final e saiu correndo pelos corredores do prédio — tudo de forma virtual, claro. T levou a imagem até Ingrid, sua paixão do ensino médio — outro avatar controlado pela mesma inteligência artificial da sua empresa.
— Ingrid, transforme este desenho em uma imagem fotorrealista e repita isso sete vezes.
Como em um passe de mágica, a imagem de pessoas felizes com roupas limpas se materializou. T sorriu satisfeito.
— Exporte a imagem em todos os formatos e faça uma alternativa onde a velha não está sorrindo tanto e usa óculos.
O trabalho de T estava pronto. Agora ele podia tirar seu óculos de realidade virtual, tomar suas vitaminas e dormir.
É isso. Não tenho mais nenhuma novidade que eu me lembre pra compartilhar por enquanto.
Abs,
Nigel
Indicações:
Meu livro “Entrevista com a Pedra” continua à venda na amazon em formato de ebook.
(obs. Comprando por esse link eu recebo 10% do valor do livro pela indicação, curiosamente, a mesma coisa que eu recebia por cada livro físico vendido. O que sempre me fez pensar que, em vez de escrever um livro, ou podia escolher o livro de alguém pra ficar vendendo na amazon e ganhar a mesma coisa, mas eu realmente gosto de inventar essas histórias.)
Eu uso o Fastmail como serviço de email. Gmail ficou só pros spams e cadastros com login e essas coisas, e pro email pessoal e de trabalho eu uso o fastmail. (obs. nesse link você tem algum desconto e eu ganho alguma coisa se você assinar o plano.)
abs, nunca será demais acompanhar
sua substack é boa, quando você criou era à frente do seu tempo